Oi. Não custa lembrar que esta página tem spoilers do sexto episódio de Tramas Coloniais. Se você ainda não ouviu os cinco primeiros episódios, talvez seja melhor dar um play antes de mergulhar aqui no conteúdo extra. Fica à vontade!
As questões relacionadas ao trabalho, à terra e à imigração foram centrais para os projetos de colonização europeia na África – e os efeitos dessas dinâmicas estão presentes até hoje no continente. Um dos maiores símbolos disso é o protesto dos Madgermanes, que você ouve logo na abertura do episódio 6. Trabalhadores moçambicanos ocupam uma praça da capital Maputo toda semana, há três décadas.
Eles cobram uma parcela não paga dos salários quando migraram para a Alemanha Oriental nos anos 70 e 80. A promessa era receber capacitação e bons empregos nas fábricas alemãs. Mas eles acabaram servindo como mão de obra pesada e barata. E alegam que parte da remuneração não foi paga até hoje. A Raquel Sirotti esteve na praça em Maputo e conversou com alguns desses manifestantes.
Como dá para ver na imagem, os Madgermanes usam bandeiras da Alemanha como uma forma de se identificar – a palavra Madgermanes significa “os da Alemanha”. O maior alvo dos protestos é a Frelimo, partido moçambicano que está no poder desde a independência em 1975.
A eleição presidencial em outubro de 2024, vencida mais uma vez pelos governistas, foi contestada pelo candidato derrotado da oposição, que alega fraude no processo eleitoral. O resultado gerou uma onda intensa de manifestações e repressão policial, mergulhando a capital do país no caos.
Mas o episódio não se passa apenas em Moçambique. Em Swakopmund, na Namíbia, a Raquel foi até o cemitério local, um exemplo de como o colonialismo europeu tentou apagar o valor da espiritualidade na relação dos africanos com a terra. Ela estava acompanhada do Laidlaw Peringanda, fundador do Museu do Genocídio em memória dos povos Herero e Nama, praticamente exterminados pelas tropas coloniais. Os africanos lutam até hoje para preservar a memória dos seus antepassados e ter o genocídio reconhecido.
Um dos entrevistados no episódio é o historiador Edem Adotey, professor do Instituto de Estudos Africanos na Universidade de Gana. Ele pesquisa fronteiras, especialmente entre Gana e Togo. E é ele que conta a história das famílias que vivem entre dois países, com casas que têm um cômodo em cada lado da fronteira.
O episódio também cita o filme Emitai, de 1971, dirigido pelo cineasta senegalês Ousmane Sembène. A história se passa numa vila no sul do Senegal, durante a Segunda Guerra Mundial, com os africanos tentando resistir aos desmandos da colonização francesa. Aqui o filme na íntegra:
Se quiser se aprofundar ainda mais nos temas do episódio 6, segue uma lista com algumas referências que usamos na pesquisa:
– “Debating the Land Question in Africa”, de S. Berry, 2002.
– “Pastoralism and Property Rights: The Evolution of Communal Property on the Usangu Plains, Tanzania”, de S. Charnley, 1997.
– “Islam, Power, and Dependency in the Gambia River Basin: The Politics of Land Control, 1790-1940”, de A. Sarr, 2016.
– “Return, Fall, and Rise of the Madjerman: The Afterlives of Socialist Migration”, de M. C. Schenck, 2022.
– “From Enslavement to Precarity? The Labour Question in African History”, de F. Cooper, 2017.
– “Wealth, Land, and Property in Angola: A History of Dispossession, Slavery, and Inequality”, de M. P. Candido, 2022.
– “O Trabalho Forçado na Legislação Colonial Portuguesa: O Caso de Moçambique: 1899-1926”, de E. S. Martinez, 2008.
– “Questões sobre o processo de islamização na Senegâmbia (1570-1625)”, de Thiago Henrique Mota, 2014.
– “Cartography and the Political Imagination: Mapping Community in Colonial Kenya”, de J. MacArthur, 2016.
– “Borders and the Coloniality of Human Mobility: A View from Africa”, de E. Benyera, 2019.
– “Migrations as Revolt: The Example of the Ivory Coast and the Upper Volta Before 1945”, de A. I. Asiwaju, 1976.
– “An Imaginary Line? Decolonisation, Bordering and Borderscapes on the Ghana–Togo Border”, de E. Adotey, 2021.
– “Colonialism and Customary Land Tenure in Africa: Portuguese Representations and Policies During the 19th and 20th Centuries”, de J. D. Pereira, 2023.