Oi. Se você ainda não ouviu os três primeiros episódios de Tramas Coloniais, a gente recomenda que você ouça antes de mergulhar aqui nos bastidores e no conteúdo extra – só para fugir dos spoilers.
Neste episódio, nós te levamos de barco até uma pequena ilha na Baía de Maputo para falar sobre o Direito — assim, com “D” maiúsculo. Um conceito que muitos consideram universal e atemporal, mas na verdade não é bem assim.
Na ilha em Moçambique, conversamos com o régulo Vovô Inhaca, uma espécie de rei local, que conduz julgamentos no quintal de casa. Ele nos conta como a sua autoridade segue padrões muito diferentes do que vemos no direito europeu.
Para chegar até a ilha, a equipe teve que pegar uma balsa, um barco menor e um carro. No vídeo você pode ver algumas imagens do percurso.
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Na outra ponta de Moçambique, lá no Norte, a Fernanda Thomaz te leva para a casa de uma juíza conselheira Safira, que oferece outra perspectiva sobre o direito africano. Vovô Inhaca e Safira são duas provas de que os europeus até tentaram, mas não conseguiram eliminar totalmente os sistemas africanos de resolução de conflitos.
Ao longo do episódio, discutimos como o colonialismo criou a ideia de “direito costumeiro” ou “tribal” para classificar as normas jurídicas dos africanos. Quem nos ajuda a entender melhor esse assunto é o professor Fodé Abulai Mané, da Faculdade de Direito de Bissau, na Guiné-Bissau:
Também entramos no assunto dos tribunais privativos dos indígenas e as tentativas de codificação em vários países africanos. Nesta fotografia de 1930 dá para ter uma ideia de como era um desses tribunais na vila de Sena, em Moçambique:
Para entender melhor o regime do “indigenato” e como esses tribunais se inseriam nas colônias portuguesas e francesas, conversamos com a professora Maria da Conceição Neto, do departamento de História da Universidade Agostinho Neto, em Angola:
Por fim, trazemos para o episódio uma reflexão crítica: enquanto o colonialismo reprimia práticas espirituais locais (como a feitiçaria e os ordálios) por meio da criminalização, ele próprio carregava uma visão profundamente cristã (e portanto espiritual) do mundo.
Se quiser se aprofundar ainda mais no tema, seguem algumas referências bibliográficas:
– “Yoruba philosophy: individuality, community and the moral order”, de S. Gbadegesin, 1998.
– “Ancestral paradigms and modern lives: Relational living in Mozambique and D.R. Congo”, de Sophie Kotanyi, 2016.
– “Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica”, de Bruno Latour, 1994.
– “Kupilikula: O poder e o invisível em Mueda, Moçambique”, de Harry West, 2009.
– “A mediação na resolução de conflitos: o caso de Bambadinca”, de Fodé Abulai Mané, 2014.
– “Casaco que se despe pelas costas: história do colonialismo, justiça e agências africanas em Moçambique”, de Fernanda do Nascimento Thomaz, 2022.
– “Política, Escravatura e Feitiçaria em Angola (séculos XVIII e XIX)”, de João de Castro Maia Veiga de Figueiredo, 2015.
– “Os macondes de Moçambique. Vol. III: Vida social e ritual”, de Jorge Dias e Margot Dias, 1970.
– “Conhecer Para Dominar: O Desenvolvimento Do Conhecimento Antropológico Na Política Colonial Portuguesa Em Moçambique, 1926-1959”, de Rui M. Pereira, 2005.
– “What Was the ‘Indigénat’? The ‘Empire of Law’ in French West Africa”, de Gregory Mann, 2009.
– “Constitucionalismo e Império – A cidadania no ultramar português”, de Cristina Nogueira da Silva, 2009.
– “Law in Colonial Africa”, de Kristin Mann e Richard Roberts, 1991.
– “Intermediaries, Interpreters, and Clerks: African Employees in the Making of Colonial Africa”, de Benjamin N. Lawrance e Emily L. Osborn, 2006.
– “Autoridades tradicionais vaNdau de Moçambique: o regresso do indirect rule ou uma espécie de neo-indirect rule?”, de Fernando Florêncio, 2008.
– “’These laws should be made by us’: Customary marriage law, codification and political authority in twentieth-century colonial Gabon”, de Rachel Jean-Baptiste, 2008.
– “O que é multinormatividade? Observações introdutórias”, de Thomas Duve, 2024.